O Emissário das
Chuvas
C. J Jacinto
Um belo dia de chuva, de tal formosura que chamava
as almas ao aconchego, assim poderia ser a descrição daquele abençoado dia do
inverno quando a chuva caía no telhado e as árvores da floresta ficavam
envolvidas por névoas nupciais.
Por uma senda observei aquele ancião de barbas
de nuvens, pelo aspecto parecia muito antigo, carregava uma vestimenta no corpo
e ele parecia ainda bem vigoroso, a notar pelos passos firmes que dava e o som
das folhas secas quebradas sob seus pés.
Quem seria aquele ser cheio de antiguidades na memória?
Uma pergunta que emerge de coração inquiridor que asustenta toda a sabedoria
por perguntas e respostas.
Aproximei-me dele, mas o andar do ancião era
muito firme, como quem não se cansava e tinha pressa.
-Ei!
Gritei, e ele olhou pra mim, sentou-se num pedra
abaixo de uma árvore cujo esplendor era difícil de expressar, talvez um ipê
roxo, não tenho certeza, pois o ancião então sentado me observando roubava toda
a atenção, algo extraordinário para falar a verdade.
Tomei a liberdade e sentei-me ao seu lado,
perguntei pelo seu nome, e ele respondeu-me com um olhar fixo e sereno:
- Sou o Emissário das Chuvas, o que deseja?
Fiquei alguns minutos em silêncio, a resposta me
deixou um pouco confuso, é isso que ocorre quando algo inesperado acontece, não
entendo a reação de ficar desorientado e surpreso por uma resposta que
não esperamos de uma pergunta que fizemos.
Ficamos ali durante um tempo que desconheço, não
tinha um relógio, mas conhecer o Emissário das chuvas foi um evento
inesquecível. Conversamos mas não rimos, nem um momento. Pode ser que
classifique aquele homem como um dos meus melhores amigos ainda que tenha
conhecido por pouco tempo, o que corresponde a uma fração mínima da minha
existência.
Mas a sua presença e as suas palavras foram
suficientes para assegurar a importância do encontro e da pessoa envolvida.
O ancião era o guardião responsável pela
distribuição das chuvas em seu reino, toda a projeção e distribuição das
nuvens eram gerenciadas por ele. Assim ele decidia o destino de todas as nuvens
e o transporte das chuvas para cada uma das regiões do reino.
A relva do campo e as florestas, o deserto e as
montanhas, todas as regiões estavam sob os auspícios do Emissário das Chuvas,
assim ele trabalha na decisão onde seria tempo bom e chuvoso.
A primeira lição que notei nele foi a paciência,
uma vez que todos os dias ele recebia reclamações vinda de todas as regiões,
algumas dessas reclamações eram até mesmo ofensivas, e partiam de pessoas
ingratas, vejam que eu mesmo presenciei o fato.
Enquanto ainda estávamos conversando, apareceram
dois homens maltrapilhos que se identificavam como anjos de terra, tinham
vindo, um do norte e outro do sul. O
primeiro trouxe uma série de reclamações ofensivas vindo do povo do norte
acerca das chuvas que caiam sobre a região, o outro oriundo do sul,
trazia as mesmas reclamações por motivos da ausência de chuvas e dias
ensolarados.
O Emissários das Chuvas respondeu que mandaria
as nuvens do norte para o sul, e assim resolveria o problema de ambas às
regiões.
Dois dias depois apareceram os mesmos
mensageiros com reclamações apresentando os mesmos problemas.
Agora, eu mesmo, lamentando tal ocorrido,
percebia que as flores desabrocham em sorrisos quando chove, e continuam acesas
no brilho da gratidão quando o sol resplandece em um céu azulado.
A relva no
campo parecia ser tão grata todo o tempo. Aqui está outra lição, grandiosa por
sinal, já que gratidão e ingratidão são disposições do coração, ver a vida de
modo a enxergar todas as coisas como elas devem ser vistas, nos impede de
sermos iludidos pelos equívocos conseqüentes da falta de sensibilidade.
Um sentimento de alegria crescia dentro do meu
coração, estar ao lado de um ser tão sábio, que ficava paciente perante
os distúrbios psicológicos de gente que não sabia fazer escolhas, de modo
paciente, é um problema lidar com pessoas e tentar agradar providencialmente a todos e não ser acusado
de praticar injustiça, tarefa difícil perante almas inquietas que não encontram
um sentido para a vida diante de um universo aberto para as virtudes e vícios,
alegrias e tragédias, doçuras e amarguras.
O Emissário das Chuvas coordenava um agrupamento
de nuvens peregrinas que se destinava a floresta de sândalos, outro
exército de nuvens para a floresta das macieiras. Precisava administrar
com previsão certa uma quantidade enorme de nuvens pesadas, pois não somente as
chuvas eram importantes para as macieiras, mas também prover baixas
temperaturas, para doar aos futuros frutos, a doçura necessária que germinava
pelos recônditos das árvores, doando aos frutos o mel dos campos, para que na
maturação, as maçãs ficassem agradáveis e saborosas.
Mas nessa
época de frio intenso, muitas pavorosas reclamações chegavam até o
Emissário das Nuvens, um povo descontente do frio e dias supostamente intermináveis
de névoas e nuvens pesadas que causavam a obstrução a luz sol. Pela
administração coerente e bem gerenciada, as nuvens na floresta das macieiras
precisavam ficar o tempo suficiente para o propósito, até que fossem enviadas
para as campinas das aboboreiras, porquanto neste lugar o sol já ameaçava as
plantações extensas, o que causava uma grande revolta dos camponeses que viam ameaçadas,
suas plantações. Pouco a pouco, o Emissário das Chuvas abre as comportas
celestiais e envia algumas nuvens do tamanho de uma mão de homem, apenas para
sinalizar que as chuvas estão sendo providenciadas.
-Tarefa difícil essa sua meu nobre irmão de
sabedoria e paciência!
O Emissário das Chuvas ouviu silenciosamente e
continuou a selar o destino de muitas nuvens cada qual para o seu destino
certo.
Eu olhei ao longe, o vasto campo dos girassóis,
era na estação norte, ao sul a floresta de Laranjeiras em flores, e mais ao
oeste muito próximo do caminho onde se encontrava um vale extenso cheio de
orquídeas, todas agraciadas pelo orvalho celeste que emana da estação da
madrugada.
Dentro de mim, uma sensação de libertação,
sentia-me como alguém que via os ferrolhos internos sendo quebrados. Os
mistérios da providência e o ciclo das águas, as florestas em
orquestras silenciosas, árvores não falam, mas elas nos ensinam a grandeza pelo
silêncio. O quebrar do santuário em tons de rosas e lilases, aromas e cores
vitais, pássaros cantando anunciando as manhãs ensolaradas e as tardes
chuvosas, e nada disso é profanação, é apenas a manifestação, o mover das
engrenagens da existência, e eu apenas olhando o por do sol, sem vontade de ir
embora, descobri que o maior tesouro que nos enriquece não é uma carga que nós
oprime, mas uma libertação de tudo o que nós escraviza, a gratidão de ser e de
contemplar os mistérios gratificantes da vida emerge da fonte da simplicidade.
Eu e o Emissário das Chuvas tínhamos a certeza de
que as ações bondosas são providas de um sentimento de satisfação pessoal, o
homem bom, não depende do reconhecimento alheio para agir, ele age de acordo
com a natureza do seu coração, a bondade verdadeira, quando é praticada, produz
em si mesma, o sentimento necessário para que a felicidade não dependa da
gratidão dos outros.
Extraído de Contos Ordinários e Extraordinários
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