Du Camponelo era um homem
humilde, começou a ler o livro das
virtudes e aprendeu a ser um homem sábio. Depois de muito tempo, tornou-se um
conselheiro líder. Pessoas buscavam
conselho e orientações, e Du Camponelo,
com sua humildade e sabedoria, não fez da sua função uma profissão. Era homem
de ego mortificado, tinha um amor muito grande pelo próximo, e no livro das
virtudes fazia sua reflexão diária e empreendia grandes meditações nos
conselhos desse livro. Pouco a pouco, ganhou seguidores, pois que os conselhos
do livro das virtudes eram verdadeiras joias espirituais, e traziam sabedoria e
conforto para corações que careciam de um sentido para viver.
As pessoas que seguiam os
ensinamentos do livro das virtudes, eram chamados de virtuosos. Essas pessoas
eram pacatas, amorosas e pias. Viviam de modo humilde, sempre amando o próximo
e promovendo as virtudes mais sublimes. Eram exemplos de vida.
Quando um virtuoso tinha
dificuldades, Du Camponelo convocava outros virtuosos, e conseguia arrecadar
somas em moedas para ajudar de alguma
forma, o virtuoso desconsolado. Tudo isso sem qualquer egoísmo, orgulho ou
conveniências pessoais. O sacrifício da humildade fazia com que Du Camponelo
não usasse sua vocação para benefícios próprios. Era o livro das virtudes que
ensinava isso. Não poderia fazer da sua função um meio para angariar
fundos e viver uma vida regalada,
enquanto outros virtuosos viviam em dificuldades.
Um dia, numa dessas reuniões de
amparo ao próximo, Zé do Coração Frio, um “virtuoso” que escondia grandes somas
de defeitos no seu coração, ficou maravilhado como os virtuosos davam somas
enormes para ajudar aos outros virtuosos em dificuldades. Ficou assombrado como
Du Camponelo, devolvia grandes somas aos seus doadores, quando não havia
necessidades maiores. Desde que a vida virtuosa tinha como lema, a
simplicidade, o amor ao próximo, a humildade e a vida regida por disciplina de
virtudes mais raras, Não seria justo, Du Camponelo reter para benefícios
próprios, ofertas que foram doadas para a manutenção do amor.
Zé do Coração Frio ficou
pensativo, e não dormiu a noite. Suava para ter seu pão diário, o livro das
virtudes ensinava que a dignidade de um pão tinha o preço do suor. Mas a cena
que tinha visto incomodava seu pobre coração.
Numa noite, quando o silencio
navegava entre as sombras da madrugada, uma luz apareceu diante de Zé do
Coração Frio. Uma luz como a lua atrás de nuvens escuras ou como a alma de todas as
tempestades atrás do sol poente.
Uma voz com suave deslize de
chuvas torrenciais ecoou diante dele.
- Sou Nêbulo, um ser espiritual da ultima dimensão,
Tu és um escolhido Zé, és um escolhido para anunciar as novas de um mundo
distante, mas que existe tão próximo ao teu coração. Serás como ponta de
estrela, todos olharão para ti, és escolhido, te dou uma mensagem, o livro das
virtudes ganhará novos significados, serás profeta das alturas, pois tu és
digno dessa tão grande missão, mais do que qualquer um aqui neste mundo.
Zé Coração Frio tremeu e chorou.
Tinha experimentado uma grande revelação. Exaltado estava seu coração. Uma
exaltação secreta, um sentimento de felicidade interna, a felicidade do próprio
ego.
No final de uma reunião em que Du
Camponelo, na sua mansidão fazia exposição tão sabia dos conselhos do livro das
virtudes, aos virtuosos de certa comunidade, Zé do Coração Frio se levantou
diante da multidão e disse que tinha uma noticia maravilhosa. Recebia uma
revelação das alturas, uma espécie de ser supranormal, cujo brilho excedia de
muito o sol que se escondia atrás de
todas as mais tenebrosas tempestades tinha-lhe anunciado que ele era um
escolhido, um profeta da noite.
O povo prestava atenção aos
seus clamores, e ficaram admirados por
tão grande ventura de Zé ser visitado por um ser supranormal , quão
admirável era essa
alva experiência mística.
Du Camponelo ficou triste com a
situação. O povo se inclinava aos clamores de Zé, e pouco a pouco, Zé Coração
Frio ganhou a estima e a atenção de muitos virtuosos. Ele então certa feita
apregoou sobre o amor nessas palavras.
-Olhem o livro das virtudes, esse
livro nos ensina a amar, quanto mais extenso for esse amor, quanto mais amplo
for esse sentimento mais nobre, mais correto será a execução de seus conselhos.
Digo-vos, que até esta data, éramos limitados a isso, eu vos digo que devemos
amar sim, amar mais e mais. Oh o amor precisa ser mais extenso, ame a vocês
mesmos, com a maior força possível, amem-se. Sim amem vossas moedas, elas são a
causa do beneficio aos irmãos virtuosos. Devemos amar nossas vidas, o
verdadeiro sacrifício precisa ser feito por nós mesmos. Aquilo que satisfaz o
nosso coração trará a mais plena felicidade, eis o que vos digo. Amem as coisas
materiais, pois se não amarem as riquezas, o conforto, como podereis lutar por
adquira-las para ajudar os virtuosos desamparados?
O povo ouvia em face de espanto,
que mensagem! Poucos rejeitaram tal coisa. A maioria ficou voltada com o
coração aberto, a ouvir tão bela mensagem. Zé Coração Frio, acariciou o livro
das virtudes, e continuou:
- Sou escolhido. Um ser angélico
falou comigo, me chamou de profeta, me disse que novos horizontes espirituais
seriam abertos por minhas mensagens inspiradas. Os céus se levantaram a favor
de vós...
Du Camponelo levantou sua mão e
em voz branda clamou:
- Ouça homem: como tens ousadia
de distorcer a virtude do amor promovendo a avareza e o orgulho e a estima
exagerada por ti mesmo, se o livro das virtudes condena isso.
Zé do Coração Frio, porém
levantou a sua voz e interrompeu aquela nobre admoestação...
- Ouça bom homem, eu sou
escolhido, tenho uma missão, sou profeta, mais que tu, estou acima de ti, pois
tenho a experiência. A visão é comigo, os seres puros como o pó da
tempestade estão do meu lado. Este
livro, o livro das virtudes, está ultrapassado de diversas formas, não o livro
em si mesmo, mas seus mensageiros limitaram a mensagem dele. Alem disso, os
tradutores e copiadores podem ter danificado a sua mensagem original. Se não
fosse assim, das mais densas nebulosas não veriam seres de luz para ajudar-nos
nessa emancipação da ignorância. Sou profeta escolhido, o povo precisa me
ouvir.
Du Camponelo, retrucou e disse:
-
Precisas te humilhar. Durante
muito tempo me dedico de coração ao clamor de uma mensagem santa sem levar de
vossas mãos um único centavo, tenho celebrado a humildade, para que através
disso, a interpretação do livro das virtudes saia como a luz do cristal ao meio
dia.
Zé do Coração Frio riu, meneou a
cabeça e então respondeu
- Desviaste o santo conselho ao
limitar a interpretação. Eu tenho a visão, o sonho, a interpretação, a
experiência, a profecia, a revelação...
O pobre visionário saiu em
excelsa exaltação, e o povo, quase todos o seguiam. Zé do Coração Frio fez um pequeno palanque, e
começou a proclamar a mensagem segundo a sua revelação. Pedia ao povo que
dessem moedas, muitas moedas, pois se
dessem para ele, seus lucros, receberiam em dobro, pois se assim amassem a ele,
seriam recompensados por tão nobre
obediência.
Então Zé do Coração Frio angariou
muito dinheiro, beijava as moedas, pregava o amor mais extenso, amor ao
materialismo. Vivia regaladamente, comprava carros e mansões. As experiências
místicas continuaram. Nêbulo o visitava temporariamente, quando não, enviava
raios místicos que enchiam o coração de Zé Coração Frio, de novas informações
sobrenaturais.
Zé do Coração Frio tornou-se um
empresário das causa espiritual. Grande conselheiro de gente que precisava de
anestesia para as feridas da alma, cada sessão cobrava certa quantia. Suas
fotos eram reverenciadas como o ultimo profeta, dizia que saiam virtudes de suas
imagens. Cobrava por cada proclamação de
uma nova experiência.
O povo acudia aos montes, e lhes
enviava grandes presentes. Zé do Coração Frio,
fez um trono de ouro para si,
encenava as mais estranhas encenações para ganhar a atenção do povo.
Suas interpretações do livro das virtudes eram novidades maravilhosas, já não
ensinava mais o povo a renunciar as paixões terrenas, mas a experimenta-las
como um meio de adquirir a alegria da vida.
Tornou-se um ser central, todos
os seus seguidores giravam em torno dele. Suas palavras, gestos e costumes eram
imitados. A família de Zé do Coração Frio vivia regaladamente, embora tantos de
seus devotos eram miseras almas que viviam nas sombras de grandiosas promessas
que nunca se cumpriam. Porem, pelo fato de serem tão pessoais, já era um
consolo pois era um grande privilegio ouvir uma mensagem pessoal de tão beato
ser místico, como era Zé do Coração Frio.
Ah! Um fio do cabelo de Zé do
Coração Frio era o que seus seguidores almejavam. Quando ele sentia esses
ébrios desejos do povo, vendia-os como se fossem plumas de asas de querubins.
Já não era mais necessário
qualquer tipo de virtudes, o simples fato de tocar no profeta era uma graça
arrebatadora, até mesmo o suor da testa do Zé Coração do frio era desejado como
um elixir de virtudes ultra-sacras. Um pingo desse suor poderia ser considerado
como o próprio fluir Das lagrimas de uma divindade. Por isso, poderia ser
vendido a preços exorbitantes.
Os holofotes mais exóticos, os
risos mais extravagantes, as danças mais sensuais, tudo isso era supostamente tão
mais sublime do que fazer exposições
literárias e intelectuais do livro das virtudes, para depois convocar os
ouvintes a praticarem tudo na mais singela sinceridade
Zé do Coração Frio tinha um
seguidor, chamado João do Coração Gelado, Este teve uma visão de um anjo
extraplanetario, que lhe deu a missão de proclamar as virtudes do amor ao ódio,
Coração Frio foi expulso e criou a Sociedade dos corações endurecidos. Outro
seguidor de Zé, ouviu o bramido de um anjo azul, que o convocou tal a proclamar
os códigos indecifráveis do livro das virtudes. Um outro seguidor, este do João
Coração Gelado, foi visitado por um espírito de luz da ultima dimensão do
universo, que lhe convocou a ser o supremo profeta dos dias frios, e assim
sucessivamente...
Du Camponelo continuou sua
missão, as pessoas não tinham muito interesse em ouvi-lo. Sua interpretação do
livro das virtudes era uma bela interpretação cujo exemplo de vida por atitudes
mais elevadas, contribuía para o valor de suas mensagens. Pregava o que vivia,
e vivia o que o livro das virtudes ensinava. Pobre homem solitário! Sua vida
era rica em dignidade e amor aos outros. Um verdadeiro homem que sustentava as
virtudes cardeais pelo fogo da humildade. Escondia sua honra no cálice de seu
sacrifício pela humanidade.
Du Camponelo viveu quase anônimo,
em voto de pobreza e amor ao próximo. Foi motivo de risos, por causa de sua
maneira tão antiquada de ver a vida. Na simplicidade de encontrar em uma flor
do campo, via o motivo para ser feliz, olhar para as estrelas da noite e sentir
a brisa do mar, eram experiências de profundidade de discernimento do
verdadeiro significado da vida. Quando comia pão com água, sentia a satisfação
de se contentar com a humildade simples. Quando comia um pêssego, sentia a
doçura da própria criação. Seguia na estrada com os mais simples. Cantando o
hino da dignidade de ser humano. DEUS e anjo algum, nunca visitaram Du
Camponelo, o Criador apenas aguardava o dia em que o fim da jornada terminasse,
e Du Camponelo entrasse pelos portais do
verdadeiro amor, onde a luz da verdade brilha eternamente na face dos homens
mais sinceros.
Clavio J. Jacinto
Nenhum comentário:
Postar um comentário