O Sr Fajuto estava se barbeando, olhos cinzentos e cabelos meio grisalhos, o velho espelho já teria cumprido a sua missão de refletir seu dono. Olhos firmes no seu próprio reflexo, seu Fajuto olha no profundo de seus próprios olhos, e ouve aquela voz interior “és um apostolo”
Boca aberta, deixa cair a navalha no chão, corre para o quarto, toma uma toalha, limpa o rosto e se senta na cama, devia estar louco. Que voz seria essa. Dissipada a nuvem da confusão, volta ao espelho e mais uma vez olha no profundo de seus olhos refletidos, e aquela voz ecoa novamente: “és um apostolo”. Meio aturdido o seu fajuto, dá aquele sorriso cheio de satisfação egoísta, e pergunta para si mesmo se era um apostolo...
Correu até o livro sagrado, tomou alguns livros de história, queria descobrir o que era um apostolo. Abriu o livro sagrado, encontrou a história dos apóstolos de Cristo que deixaram tudo para seguir o Mestre de Nazaré. Mateus deixou um bom cargo com ótima remuneração para seguir a Cristo sem salário, Pedro que era pescador, deixou as redes e seus afazeres, seria agora pescador de homens, mais tarde, no exercício pleno de seu apostolado, sem um tostão no bolso, vai em busca de um peixe para tirar uma moeda da boca dele, e pagar o imposto, e na porta Formosa acompanhado do apostolo João, sem um centavo no bolso, não pode dar um único tostão ao mendigo que lhe pede uma esmola. O pobre mendigo, ouve dos apóstolos: ” Não tenho nem prata e nem ouro...”(Atos 3:6). Ainda no livro sagrado, e com o coração palpitando, descobriu que Tiago foi transpassado pela espada, Paulo sofrendo naufrágios, perseguições, abandonando uma carreira acadêmica muito próspera para ser um sofredor. Descobriu que João foi desterrado na ilha de Patmos, e acabou descobrindo nos livros de história que Todos os apóstolos, exceto João, morreram martirizados. Tremulo, agora abrindo os livros de história, encontrou os “pais da igreja” gente simples, Policarpo, Cipriano, Inácio, Orígenes, Agostinho, Pastor de Hermas, engraçado como essa gente, que era tão próxima dos apóstolos, não tomaram para si esse titulo. Ficou confuso. O que fazer?
Então se lembrou de um amigo seu, que se intitulava “profeta” seu nome era Pernafria, amigo de longas datas, um desses místicos que se acha por ai com muita facilidade. Correu até Pernafria para buscar um conselho. Chegando em casa de Pernafria, viu uma multidão que se aglomerava em frente a casa, eram pessoas que vinham consultá-lo, consideravam-no um oráculo divino.
- Entra meu nobre amigo Fajuto, quanto tempo! Qual o motivo de sua vinda, vieste consultar o teu bom amigo e profeta? Pela honra de sua visita, 50% de desconto por uma consulta profética. Ah, brincadeira! Te dou de graça. O que deseja fiel amigo?
Fajuto, meio desconfiado pela turbulência da multidão, contou para Pernafria sua experiência mística, e então argumentava que estava confuso, pois um apostolo era no mínimo sinônimo de homem abnegado que trilha o caminho das duras provações e dificuldades por uma causa superior. Pernafria sorriu, e disse:
- Vou contar como me tornei profeta. Estava eu em frente ao espelho escovando os dentes, e descobri uma cárie em um de meus dentes, levei um susto, e logo em seguida ouvi uma voz interior que me dizia: “Tu és profeta!” Deixei cair a escova e o tubo do creme dental, corri para meu quarto, me sentei na cama. Achava que estava louco, voltei ao espelho, ao abrir minha boca e ver o dentre cariado, a voz novamente falou comigo. Então corri até o livro sagrado, para saber o que significava ser profeta. Li que Jerusalém matava os profetas, que Jeremias foi jogado no poço, amarrado no tronco, Enoque era um solitário, que era árdua a tarefa dos profetas em denunciar a apostasia, os monarcas odiavam os profetas sinceros, e então tremi. Não poderia ser profeta! Mas aquela voz insistiu, então resolvi ser profeta ao meu modo. Oh! Meu amigo Fajuto. Hoje sou famoso, muito famoso. Ganho muitos presentes, as pessoas recorrem a mim, sou considerado um oráculo vivo. Quase sempre erro nas predições, mas o povo não quer saber disso não! Eles gostam muito do show, basta demonstrar ser sobrenatural, e isso já é o bastante.
O Sr Fajuto Sorriu, e perguntou:
-Mas isso é correto?
Pernafria também sorriu, e argumentou:
- Não importa! As pessoas não estão se importando se seu erro ou acerto, não estão interessados nisso. O importante não é isso. Outro dia, falei a alguém que no fundo do quintal da casa dele, havia ouro enterrado, então ele correu em casa me trouxe uma oferta muito grande em dinheiro, comprou uma pá e uma picareta e cavou, mas não achou nada, então voltou desanimado, lhe expliquei que o ouro que tinha lá era espiritual. Ele Estava obeso, e com a escavação, perdeu uns quilinhos e isso foi o “ouro” do qual eu lhe tinha falado. O camarada saiu contente e satisfeito com a minha profecia, assim tem se sucedido. Eu até previ a data do fim do mundo, muita gente doou muitas coisas para mim. No dia previsto nada aconteceu então alguns ficaram muito revoltados, lhes expliquei que o mundo espiritual tinha acabado sim! A humanidade agora estaria entrando numa nova era de paz de espírito. Tinha acabado o mundo da ignorância, agora a tecnologia está fazendo milagres pela humanidade. O povo me aplaudiu muito, porque minhas previsões eram de um teor espiritual muito elevado...
Fajuto sorriu e perguntou:
-Então eu também posso ser apostolo?
Pernafria respondeu:
E seja! Boa sorte cumpra a sua missão!
Sr fajuto tornou-se então o Apostolo Fajuto, comprou vestes novas, saiu pela ruas e começou a fazer declarações espirituais. Seu lema era: “Seja Feliz com você mesmo”. O povo vinha atrás de seus conselhos e revelações, dizia ter poderes sobrenaturais. Fez uma campanha para angariar fundos para seu trabalho. Começou a vender um fio de seu cabelo por 500 moedas, esse fio de cabelo teria que ser colocado num envelope bancário e depositado na conta daquele que teria comprado o fio de cabelo, esse mesmo fio se transformaria em um valor de 5000 moedas.
Vendia pingos de seu próprio suor por preço de ouro, pois afirmava que se transformariam em diamantes, o povo recorria a essas gotas de suores com tal ânsias que ele foi obrigado a fazer contrato com um fabricante de soro fisiológico, para lhe fornecer barris desse liquido para vende-los como se fossem seu próprio suor. Também mandou encomendar da China. Uma tonelada de fio de cabelos artificiais para poder dar conta da demanda dos pedidos de fios de cabelos. Embora os milagres por evidencia nunca chegassem, o simples fato de ser proprietário de um fio de cabelo do apostolo fajuto, ou ter uma gota de seu suor, já era uma honra, todo mundo ficava feliz de ter um pedaço do próprio apostolo, um homem tão santo, cujas virtudes celestes eram aos seus olhos irrefutáveis.
Assim o profeta Pernafria seguia suas predições e o apostolo Fajuto com suas atividades “espirituais”.
Havia também naquele lugar, um homem prudente, justo e que sempre denunciava os erros e os enganos daqueles que se aproveitavam da ignorância alheia para construir impérios em nome da religião. Esse homem, cuja integridade era admirável, visitava os órfãos e as viúvas, pregava contra os vícios da sociedade, defendia a simplicidade e acima de tudo ensinava tantos bons conselhos sagrados, como também fazia exposição das escrituras e ainda convocava o povo ao arrependimento e a uma fé genuína. Homem desacreditado, por ser acusado de ser um religioso de coração frio e muito realista. Era um homem desacreditado pela sociedade a sua volta, poucos eram seus admiradores, e mesmo aqueles que queriam exaltá-lo eram repreendidos por ele, pois se considerava apenas um servo e nada mais. Este homem organizava algumas reuniões para palestrar a respeito das coisas sagradas, porém era um desacreditado. Poucos eram o que lhe davam ouvidos.
Autor: Pr Clavio J. Jacinto
Um cristão inconformado...
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