Série: Artigos de Impacto
Como é uma
personalidade imatura?
Por Enrique Rojas
Será que sou uma pessoa
imatura? O autor, renomado psiquiatra espanhol, oferece aqui dez pontos
bastante claros que possibilitam um auto-exame preciso.
A personalidade é a
soma dos padrões de conduta reais e potenciais e é determinada por três
fatores: a herança (o nosso patrimônio genético, aquilo que herdamos os nossos
pais), o ambiento (aquilo que nos cerca) e a experiência de via (a biografia de
cada um). A personalidade é a marca própria e específica de cada um. O cartão
de visita. Noutras palavras, a personalidade é uma organização dinâmica, em
movimento, em que confluem s aspectos físicos, psicológicos, sociais e culturais
de um indivíduo. Nós, psiquiatras, dedicamo-nos à engenharia do comportamento.
Somos escavadores das superfícies psicológicas, procuramos aprofundar na
mecânica interna do comportamento, para corrigi-lo, melhorá-lo, torná-lo mais
equilibrado. A pessoa imatura é uma pessoa a meio caminho, com uma psicologia
incipiente, incompleta, que no está bem acabada e que tem muitos pontos
negativos, mas que pode mudar, melhorar e tornar-se mais sólida, com a ajuda de
um psiquiatra ou de um psicólogo.
Tentarei sistematizar
os ingredientes principais da imaturidade, para que o leitor possa adentrar num
tema tão complexo.
1.
Defasagem entre a idade cronológica e a idade mental. É uma das
manifestações que mais chama a atenção logo de cara. Não esqueçamos que há
pessoas que amadurecem cedo e outras que levam mais tempo, e isso pode
interferir um pouco na observação.
2.
Desconhecimento de si próprio. Conhecer-se a si próprio era uma das normas
do herói grego. No templo dedicado ao deus Apolo, em Delfos, havia a inscrição:
Gnothi Seauton , “conhece-te a ti
mesmo”. Trata-se de ter claro que aquilo que devemos estudar com mais afinco
somos nós mesmos, temos de saber quais são as nossas limitações e as nossas
atitudes. O conhecimento dessas realidades é como que a carta de navegação que
nos ajuda a guiar-nos para uma vida adequada.
3.
Instabilidade emocional. A instabilidade emocional manifesta-se em
mudanças do estado de ânimo: o sujeito passa da euforia à melancolia de um dia
para outro ou mesmo dentro de um mesmo dia. É preciso distinguir essa variação
dos chamados transtornos bipolares. O imaturo é desigual, variável, irregular,
os seus sentimentos movem-se e balançam como um pêndulo, de maneira que ninguém
nunca sabe o que esperar dele. Essa fragilidade é um traço bem característico
da imaturidade. O seu estado de ânimo pode ser representado pelos dentes de uma
serra, uma espécie de montanha russa cheia de oscilações.
4.
Pouca ou nenhuma responsabilidade. A imaturidade tem níveis, como qualquer
outro fato psicológico. A palavra “responsabilidade” vem do latim respondere,
que significa “responder”, “prometer”, “satisfazer”. Estar na realidade é ter
consciência das próprias circunstâncias imediatas – o hoje e o agora –, que são inescapáveis
e que ninguém pode menosprezar.
5.
Pouca ou nenhuma percepção da realidade. A captação incorreta de si
próprio e das circunstâncias leva o sujeito a ter um comportamento inadequado
nas suas relações intrapessoais (desarmonia consigo próprio) e interpessoais
(não sabe lidar com os outros, não sabe guardar distâncias e proximidades).
6.
Ausência de um projeto de vida. A vida não pode ser improvisada. É preciso
uma certa organização, um esquema que planeje o futuro. E os três grandes temas
do nosso projeto de vida devem ser: o amor, o trabalho e a cultura. E o sujeito
imaturo não assume seriamente nenhum dos três. Não se vive sem amor; o amor
deve ser o primeiro motor da vida, que impulsiona e dá força aos outros dois.
Do nosso comprometimento com esses três grandes temas, brota a felicidade, suma
e compêndio de uma vida coerente.
7.
Falta de maturidade afetiva. É preciso compreender o que é o amor e vê-lo
como a vértebra da nossa vida sentimental. É o amor que dá sentido à vida. Mas
não há amor sem renúncias. Além disso, é preciso ter a consciência de que
ninguém é absoluto para o outro. Não há amor eterno; ele só existe nos filmes,
nas canções da moda e na cabeça das pessoas imaturas. O que, sim, existe é o
amor trabalhado a cada dia. Amar não significa ter sentimentos doces, mas
voltar-se juntamente com o outro para as pequenas realidades cotidianas. No meu
livro¿Quién eres? (“Quem é você?”),
descrevo a maturidade afetiva como uma dimensão à parte, com características
próprias e específicas. Só gostaria de sublinhar uma coisa: como é fácil
apaixonar-se e como é difícil manter-se apaixonado! Assistimos hoje uma verdadeira
socialização da imaturidade afetiva.
8.
Falta de maturidade intelectual. A inteligência, assim como a afetividade,
é outra das grandes ferramentas da psicologia. Há muitas formas de
inteligência: teórica, prática, social, analítica, sintética, discursiva,
matemática, analógica, intuitiva e reflexiva… Mas façamos uma idéia clara: uma
pessoa é inteligente quando sabe focar um tema, fazer raciocínios e juízos
adequados sobre a realidade, quando é capaz de formular um conjunto de soluções
exeqüíveis e positivas para problemas concretos. Na linguagem mais moderna da
psicologia cognitiva: inteligência é saber receber a informação a informação,
codificá-la e ordená-la de corretamente a fim de oferecer respostas válidas,
coerentes e eficazes. Nesse campo, as manifestações de imaturidade são ricas e
variadas: falta de visão e planejamento do futuro; hipertrofia do presente e
exaltação do instante; falta de justiça nas análises pessoais e gerais; sérias
dificuldades para racionalizar os fatos e aplicar-lhes um certo espírito cartesiano.
A vida é como uma viagem e por isso é importante saber aonde se quer chegar.
9. Pouca educação da
vontade. A vontade é uma una joia que enfeita a personalidade do homem maduro.
Se é frágil e não foi temperada pro uma luta constante, transforma o sujeito em
um tipo débil, mole, volúvel, caprichoso, incapaz de propor-se objetivos
concretos, já que tudo se desfaz com o primeiro estímulo que vem de fora e o
faz abandonar a tarefa que levava a cabo. É a imagem do menino mimado, que é
digna de pena: levado, arrastado e tiranizado por aquilo que é mais gostoso,
aquilo que o corpo pede no momento. Não sabe dizer “não”, fazer renúncias. Um
menino estragado, paparicado, malcriado, que se dobra diante de qualquer
exigência séria, que nunca superará as suas próprias possibilidades. Um ser que
aprendeu a não se vencer, mas a seguir os seus impulsos imediatos. Por essa via,
tornou-se um sujeito volúvel, inconstante, leviano, superficial, frívolo, que
se entusiasma facilmente com algo para abandoná-lo logo que as coisas ficam minimamente
difíceis.
E isso acarreta outras
conseqüências. O sujeito apresenta baixa tolerância às frustrações, é um mal
perdedor, pois tem pouca capacidade de superar as adversidades uma vez que não
está acostumado a vencer-se em quase nada; e há também uma tendência a
refugiar-se num mundo fantástico a fim de escapar da realidade.
10. Critérios morais e
éticos instáveis. A moral é a arte de viver com dignidade, de usar corretamente
a liberdade, de conhecer e pôr em prática aquilo que é bom. Na pessoa imatura
tudo está preso por alfinetes que se soltam facilmente. A moda, a permissividade,
o relativismo pautam a sua vida. Ele segue os vaivens das novidades sem nenhum
espírito crítico.
A maturidade é uma das
pontes levadiças que conduz à fortaleza da felicidade e é resultado de um
trabalho sério e paciente de perder e agregar, de polir, de limar, de procurar
que a nossa forma de ser seja como uma pedra dessas que vemos nos rios que
quase não têm arestas.
Enrique Rojas:
Psiquiatra espanhol especializado em temas como ansiedade e depressão. Recebeu
prêmios na Espanha e no estrangeiro e os seus muitos livros são conhecidos em
diversos países. Algumas das suas obras estão traduzidas para o português,
entre elas: “O homem light”, “A ansiedade” e “Remédios para o desamor”.
Artigo extraido do site a Editora Quatrante
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